Estradas, Aviões e Camarões

“Eu vou pra onde a estrada levar / cantador, só sei cantar…”
(Dory Caymmi / Nelson Motta)
Acredito que um dos incontáveis componentes daquilo que podemos chamar de Viver a vida são os momentos em que fazemos algo que nos dá satisfação, seja uma coisa comum e banal ou rara e muito pessoal. Coletar uma espécie raríssima de orquídea ou simplesmente comer um pastel na feira. A sensação de estar vivo que isso nos oferece, aquece o coração e alimenta o universo individual do chamado Viver a vida.
Eu sinto que estou mais vivo ao volante de um carro que confio, com um mapa rodoviário e uma estrada aberta pela frente. Para onde ela vai, não tem a menor importância. A estrada em si é a razão do meu instante de Viver A Vida.
A transformação constante da paisagem me fascina. Estar numa espécie de deserto que, no entanto, é coberto de verde por todos os lados e de repente começar a perceber os indícios de que logo adiante encontrarei agrupamentos humanos em plena movimentação, provoca uma pequena descarga de adrenalina. A placa desbotada dizendo “A 20 km Pousada Dona Flor” com as informações complementares de que lá encontrarei “banheiros limpos, conforto e ambiente familiar” me faz sorrir.
Uma parada antes do anoitecer – a estrada à noite não tem a mínima graça – um banho relaxante, meia hora deitado para alongar o corpo. Em seguida, bater perna pelo lugar desconhecido, sentar na praça, ouvir as pessoas conversando, participar do seu cotidiano sem que elas sequer percebam que sou um forasteiro faz-me sentir um cidadão do mundo. Um jantar caseiro num restaurante com mesas cobertas por toalhas plásticas imitando renda, uma conversa casual com o garçom que também é filho da dona, aquela senhora que está na porta batendo papo com uma amiga. A volta para a Dona Flor e o sono profundo, reparador, sobre um lençol branquíssimo e com cheiro de benjoim. No dia seguinte, após um café numa xícara Marinex marrom, cuscuz e um pão quentinho com queijo de cabra derretido, a estrada se abre novamente em direção a outro universo semelhante porém completamente diferente.
Em uma destas minhas perambulações pelas estradas estava indo de Salvador para – em tese – Vitória, no Espírito Santo. Parei em Eunápolis, sul da Bahia, ao anoitecer, e após o ritual de restauração, fomos jantar (estava acompanhado nesta ocasião) em Porto Seguro, bem pertinho. Ainda circulando pela cidade até simpatizar com algum restaurante, vimos um avião que aterrissava. Minha companheira de viagem comentou: “Deve ter saído de Salvador meia hora atrás”. Sorri e concordei com um movimento de cabeça.
Finalmente paramos para jantar. Já na sobremesa, escutamos o ronco das turbinas do avião que decolava apressado, rumo ao seu destino. O comentário da minha companheira então foi: “Se vai pra Vitória, chega lá antes da gente chegar no hotel em Eunápolis”. Apenas sorri e pensei: “Será que os passageiros vão saborear uma moqueca de camarão desta que acabo de comer, olhando o mar que com ela me presenteou, o olhar malicioso da garçonete que me serviu e ouvindo o ruído da vida passando na rua?”. Só pensei, mantendo o sorriso e o silêncio. Era o meu instante Viver a vida e quando estamos imersos nesses momentos mágicos, nada ou quase nada consegue nos tirar dele.
Marco Gavazza
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